ABRIL [ António Lúcio Vieira]
Era já alvor a liberdade
Era quase a vida, quase a voz
Era um rio em cheia quase foz
Brandos ventos feitos tempestade
E foi alevantado este meu povo
Gente viva, erguida agigantada
Era um tempo velho feito novo
Tempo aceso luz na alvorada
Aí nasceu esta ânsia de nascer
De novo neste chão por amanhar
Chão regado a pranto e a sofrer
Chão de medos, chão de tanto esperar
E das noites algemadas de morrer
E das horas avisadas de acordar
Que eu sou do povo que então quis saber
Quanto de si o povo sabe dar
E sou também desta terra feita
De cravos, de soldados e canções
Da pátria onde me deito e onde se deita
A giesta que moldou mil gerações
E sou o filho e sou também irmão
Dessa gente que já vive na memória
Sou da noite de escrever libertação
Com a pena do poeta coração
E as musas de inventar a nova história
No sangue e no fio de uma espada
Esperança tanto sonho embainhada
Olhos tanta noite a vigiar
E as lágrimas que correram tanto mar
E as vozes que rasgaram tanta estrada
E as armas onde a flor se viu plantada
Não eram mais as armas de matar
Que o povo tem no peito e na raiz
A seiva da floresta libertada
Aqui e era Abril e era amar
Estava a renascer o meu país
Quando se alvorou a madrugada