16 junho 2013

Opinião de A. Mello de Carvalho

A teoria utilizador-pagador
O utilizador-pagador: eis a base segura que dá plena razão a quem deseja voltar atrás, a uma antiga história de defesa de privilégio e segregação, liquidando conquistas que custaram muito sangue, suor, lágrimas e dor, como o resultado de um processo histórico de lutas dos trabalhadores, que levou, quase dois séculos e que, como é muito conveniente, bem poucos conhecem porque é cuidadosamente escamoteada. No fundo a teoria é esta e é essencial (!) para o «desenvolvimento» do País (naturalmente pelo esforço de quem trabalha e é multiplamente taxado por todo o lado, enquanto uma multidão de privilegiados continua a não pagar impostos!).
O Estado não pode pagar tudo – é uma entidade cujos rendimentos têm origem nos impostos e como se «sabe», estes devem diminuir, em lugar de se montar um mecanismo que obrigue a parte da população que os não paga (desconfia-se que são precisamente aqueles que melhor ganham) a fazê-lo. Mas, como é lógico, todos os serviços têm um valor e um custo que deve ser pago por quem os utiliza. Quem, por qualquer motivo o não o pode fazer... não tem nada que os utilizar (mesmo que seja um seu direito constitucional e sejam essenciais para a sua saúde, educação, manutenção da força de trabalho, etc.).
Eis, resumidamente, a teoria (que cada vez mais está a ser posta em prática).
Mas deixem-nos colocar algumas questões: se assim é então por que é que o fosso que separa os que podem pagar e os que não podem, se está a aprofundar cada vez mais (por todo o mundo desenvolvido, não só no 3.º ou 4.º mundos...)? Então, se assim é, por que é que os mais poderosos clamam constantemente pela diminuição dos impostos? Se assim é para onde vai a tão apregoada solidariedade, valor fundamental e estruturante de uma comunidade nacional?
Bem. As questões poderiam continuar, como se sabe. Vejamos: os impostos constituem os «rendimentos» do Estado. Mas se todos pagam os serviços que utilizam, para que servem os impostos? Na sua versão moderna, os impostos não constituíram uma forma de garantir a equidade? E o que fazer com esta verdade (só por alguns ainda descoberta), de que só uma parte da população paga impostos (de tal forma a situação é escandalosa que até a própria Igreja Católica afirma que a situação é um escândalo ético que não deve manter-se)?
E, por outro lado, pensam os senhores bem pensantes que o preço que um trabalhador paga por um determinado serviço lhe «custa» o mesmo que a um cidadão da burguesia que recebe um ordenado bem mais elevado.
Que tem a ver o clube com tudo isto? Tem tudo a ver: os serviços que presta (e que constituem uma contribuição essencial de substituição da acção do Estado – e não o contrário como alguns nos querem fazer engolir) tem um custo. E se quem já paga impostos (e com que sacrifício!) tem de o pagar, está bem explicado por que é que o clube vive em crise crónica (vão ver, por ex., se os clubes de golfe ou de hipismo, vivem tal crise).
A teoria do utilizador-pagador é um dos mais iníquos e injustos aspectos da teoria neoconservadora (ou ultraliberal, como queiram).
Os serviços prestados pelo clube contribuem economicamente, sob vários aspectos (saúde, educação, prevenção da doença, gastos com a toxicodependência, integração social, etc.) para importantes poupanças da comunidade no seu todo.
O seu pagamento deve ser assegurado por um justo e equilibrado sistema de impostos pagos equitativamente por todos – e não só pela parte da população que trabalha mais duramente.
Os teorizadores do conceito «utilizador-pagador» não referem, em momento algum, aqueles que dentro da comunidade não pagam, ou pouco pagam impostos. Como aquele célebre milionário e presidente de um clube profissional que só pagava de imposto o correspondente ao ordenado mínimo nacional!
Também fazem tudo por esquecer a célebre frase de um ministro da Saúde: «quem quer saúde paga-a». Ou seja, quem tem dinheiro pode pagar a sua saúde, quem não tem... que morra. Esta visão é também muito semelhante à teoria de um antigo ministro da Educação que pensava resolver o problema do analfabetismo... deixando morrer os velhos (entre os quais o analfabetismo era maior).
Com os clubes é o mesmo: quem não tem dinheiro para pagar os serviços que eles prestam... não os utiliza. E se não os utiliza porque não os podem pagar, o clube não faz receitas... e morre! E muito bem, essa agora! Que mania a dos trabalhadores de quererem utilizar serviços se não têm os meios para tal mesmo que tenham direito a eles!
Só que se esquecem de uma coisa: é que estes serviços são de utilidade pública e não se destinam somente aos privilegiados. A não ser que nos encontremos num país do 3.º mundo (os tais em «vias de subdesenvolvimento»). Será assim?