13 agosto 2011

Opinião

«Morreu» o antigo «carola» – Viva o novo dirigente associativo
O desporto popular, pela sua própria natureza associativa, só pode ser possível através da intervenção do dirigente desportivo voluntário (DDV). Mas, num momento em que, de todos os lados, se afirma a existência de uma grave crise do dirigismo associativo, como entender esta questão?

Muitos afirmam que o dirigente associativo desportivo voluntário que deu origem aos principais clubes desportivos no nosso País durante a primeira metade do século XX e o dos anos sessenta e setenta (especialmente entre 1974 e 1980) já não existe. As transformações sociais e as próprias mudanças verificadas no desporto impõem que se redefina a noção de DDV, clarificando aquilo que se entende por esta designação na actualidade.

O dirigente que escolhe a actividade desinteressada como atitude para participar na vida associativa compromete-se com uma forma de participação não remunerada, correspondendo ao prazer que retira ao assumir voluntariamente um papel correspondente à sua visão do mundo e à concepção que possui das relações entre os seres humanos. Estamos, de facto, perante um compromisso e uma escolha assentes no desejo de fornecer uma contribuição para a colectividade, recebendo em troca os efeitos positivos da vida associativa.

Esta opção fundamenta-se nos princípios da cooperação, da solidariedade, da entreajuda e do trabalho partilhado, e a opção pelo desporto popular.

Nesta perspectiva, o DDV coloca-se activamente fora do processo de mercantilização do desporto que faz depender as relações humanas do critério da obtenção do lucro máximo oferecendo um produto em troca de um pagamento. Especialmente de um pagamento que ultrapasse o valor real do serviço prestado, significando, por isso, uma mais-valia acrescentada em termos económicos.

Entendida nesta dimensão, a originalidade do DDV poderá não só subsistir na nossa sociedade como justificar-se ainda mais fortemente sem encobrir as questões de fundo colocadas pelo poder neoliberal que, naturalmente, olha esta situação com a maior das desconfianças.

Esta constatação é importante porque ela é rica de consequências. Mesmo para o DDV existe uma diferenciação significativa entre o dirigente que actua de acordo com uma perspectiva meramente individual, não pondo em causa o sistema social no interior do qual realiza a sua acção, e aquele que se integra num processo globalizante de luta pela transformação da sociedade. O DDV militante não pode aceitar o desporto como algo desligado do resto da sociedade, e a indiferença do poder em relação ao próprio desporto, considerando-o como um sistema que estabelece íntimas relações com realidades várias, em que avulta, pela sua importância, a que se refere às actividades sócio-económicas.

É nesta perspectiva que um DDV militante não pode deixar de possuir uma doutrina, e é também por isso que o desporto popular não pode prescindir de uma doutrina sólida, fortemente ancorada na realidade. O que, como é evidente, torna a escolha do dirigente e a aceitação do próprio desporto popular como mais problemática.

Não deixa, por isso, de assumir uma posição filantrópica e desinteressada. Mas não da mesma maneira daquela que caracteriza o dirigente desportivo centrado, exclusivamente, na actividade. De facto, essa atitude visa fazer desaparecer o conformismo, a indiferença, o abstencionismo que, cada vez mais, invadem a sociedade. Por isso está «condenado» a ser um reivindicador permanente e a procurar a inovação [posição que, diga-se de passagem, nem sempre é compreendida em toda a sua dimensão pelo próprio movimento associativo].

Pode dizer-se que o DDV militante guia a sua acção fundamentalmente por uma lógica de inter-relacional, e parte de uma visão totalizante da realidade social, enquanto que o outro dirigente guia a sua acção por meio de uma lógica dos «atributos», em que os factos assumem um carácter estático sem estabelecerem relações uns com os outros.

No entanto, tal como para este último, o DDV militante deve ser apreciado não pelas representações que diz defender, mas essencialmente pelas atitudes e os comportamentos reais, estruturados «em situação». A reprodução acrítica das representações leva rapidamente a que o esquema do indivíduo perca a que o seu esquema orientador perca coerência e se transforme numa ortodoxia cristalizada.

Na realidade, a diferença entre o dirigente militante e o outro é mais ténue e difícil de aperceber do que esta visão esquemática. Não só ambos actuam no mesmo terreno, e ainda que as motivações sejam diferentes, muitas vezes a acção encarrega-se de retirar àquela dupla posição o seu carácter individualizador.

No presente, em plena crise, ou seja, rodeado de «crises», a crise do DDV militante assume um significado bem determinado. Mas, por outro lado, tudo se mantém em aberto para que o dirigismo benévolo se exprima através de um conjunto de forças actuando no campo do possível.

por A. Mello Carvalho