25 setembro 2011

No Virginia, dia 22 de Outubro

“Camponeses” fundem folclore com dança contemporânea

Festival Materiais Diversos: coreógrafa Filipa Francisco estreia “A Viagem” no Teatro Virgínia


E se tiver a oportunidade de apreciar um bailarino profissional a dançar o fandango, ou um fandanguista a vestir a pele de um dançarino contemporâneo? É isso que vai acontecer em “A viagem”, da coreógrafa Filipa Francisco, apresentada no Teatro Virgínia, no dia 22 de Outubro. O espectáculo estreia em Torres Novas, inserido no Festival Materiais Diversos, com a participação do Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos e de dois bailarinos profissionais, Antónia Bureti e o torrejano David Santos.


“Como coreógrafa, tenho a minha percepção das danças tradicionais. Aprendo essas danças, percebo como podem ser reutilizadas e, por outro lado, os membros do rancho irão adquirir algumas técnicas da dança contemporânea. Portanto, há uma passagem, uma viagem que ensina e une os dois lados”. Quem o diz é a coreógrafa Filipa Francisco, que já concebeu também o “Projecto Resistir”, um projecto de dança e teatro levado a cabo na prisão de Castelo Branco, um espectáculo de dança contemporânea aliada a danças africanas e hip-hop, na Cova da Moura, entre outros projectos apresentados no estrangeiro, todos muito elogiados pela crítica.
Agora, surge “A viagem”, onde a ideia base consiste em unir o tradicional e o contemporâneo no mesmo palco, proporcionando uma fruição diferente do público. Esse é o objectivo final da apresentação, onde as duas coisas estarão equilibradas no prato da balança. Pretende-se que a assistência não distinga quem é amador e quem é profissional. A coreógrafa deseja que seja criada uma atmosfera, uma técnica e uma precisão no espectáculo em que não exista essa distinção e ao mesmo tempo que surja a pergunta: como é que estes dois universos se podem encontrar de uma maneira respeitosa, mas criativa? Será dança tradicional ou contemporânea? É esta a interrogação que Filipa Francisco espera que surja durante o espectáculo.
Será uma nova experiência para “Os Camponeses” mas já não é a primeira vez que o grupo funde o folclore com outras artes: “É um espectáculo que vai enriquecer os elementos porque irão entrar num campo completamente diferente do que estão habituados. Há muitos grupos que não querem entrar por este caminho, mas nós estamos abertos à inovação desde há muitos anos”, revela Joaquim Santana, director do rancho, acrescentando que apenas pediu a Filipa Francisco que os trajes e danças não fossem adulterados, de modo a não haver mudanças radicais: “Pelo que tenho observado nos ensaios é que irá haver uma ligação muito forte às nossas danças. O sapateado do fandango vai sobressair em certas partes, mas integrado com danças contemporâneas. Parece-me que está a correr bem”, diz Joaquim Santana.

Amor mútuo pela dança
A ideia do espectáculo surgiu na cabeça de Filipa Francisco, mas não iniciou os ensaios com ideias pré-concebidas ou seguindo um guião. Primeiro, quis conhecer “Os Camponeses”: “A arte é uma forma democrática de trabalhar, descobrir e experienciar coisas novas. O que passamos nos ensaios é o que queremos transmitir ao público. O coreógrafo não veio com a peça montada, mas veio com olhos atentos para perceber quem são estas pessoas e as memórias que têm. Nesse sentido, “Os Camponeses” são um grupo com memórias muito fortes, muito ligadas a Riachos e isso irá sobressair na peça, porque a peça são as pessoas. Por outro lado, existe um amor mútuo pela dança, que nos une, e aqui se fazem memórias das próprias pessoas”, revela a coreógrafa. E explica a escolha dos Camponeses: “É um rancho muito profissional, com muita exactidão naquilo que faz e tem uma técnica muito forte, também essencial na dança contemporânea. Por outro lado, tem uma forte ligação ao Teatro Virgínia”.


Depois de “Raízes rurais, paixões urbanas”, “Riachos intemporal” e de vários espectáculos com fadistas, “Os Camponeses” voltam a rasgar horizontes fundindo o folclore com outras artes. Inovações nem sempre bem acolhidas no meio mais purista da cultura popular: “Alguns grupos têm muita responsabilidade, porque criaram o mito de que o folclore tem que ser só danças, trajes e músicas tradicionais. Enquanto cá estiver, se formos convidados e se tivermos possibilidades, iremos aceitar novas experiências”, assegura o líder do grupo.
Por outro lado, Filipa Francisco também não se importa de trilhar novos caminhos de modo a proporcionar novas vivências culturais: “Na dança contemporânea, tudo tem de ser experimentado. A minha ideia conceptual é que os bailarinos aprendam danças tradicionais e uma delas será o fandango, uma dança que tem um potencial enorme em termos coreográficos, rítmicos, espaciais, temporais, etc. Com estas danças eles encontram novos movimentos corporais, mas tudo ainda está a ser experimentado”, explica, para continuar: “Será que os bailarinos contemporâneos dançam aquilo que aprenderam ou será que desconstroem? Será essa viagem que queremos fazer e a energia que queremos transmitir ao público”.
Para despertar consciências, Filipa Francisco espera que outros grupos assistam ao espectáculo, defendendo que as diferentes danças, técnicas e linguagens poderão ser bons temas de discussão. “O fandango vai ser apresentado duma forma como nunca foi dançado, com os componentes dispersos em palco, com ritmos e velocidades diferentes. Irá existir crítica e discussão, mas não temo, mesmo no meio folclórico”, acrescenta Joaquim Santana.
Segundo a coreógrafa, o espectáculo será um pouco abstracto, pouco ilustrativo, porque não pretende contar uma história. Defende que será o ambiente e atmosfera criados em palco que dirão alguma coisa ao público. “Estamos a falar de emoções e se as pessoas se sentirem tocadas e se levarem isso para casa, fico satisfeita”, confessa a coreógrafa.
O espectáculo vai ser estreado no Teatro Virgínia e poderá ser apresentado em Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura. “Vamos esperar pela estreia. Tudo é novo para nós. A junção destas pessoas e técnicas é nova… mas não quer dizer que viagem acabe em Torres Novas!”, conclui Filipa Francisco.

Festival Materiais Diversos entre 21 a 30 de Outubro


A 3.ª edição do Festival Materiais Diversos traz no seu alforge espectáculos de dança, teatro e música, apresentados em Alcanena, Minde e Torres Novas, sob a responsabilidade do também director artístico do Cine-Teatro São Pedro, Tiago Guedes. A associação cultural Materiais Diversos considera a cultura e a criatividade como veículos para o desenvolvimento. A sua missão é incentivar a investigação e a experimentação artísticas de modo a desenvolver a arte contemporânea. O programa multidisciplinar inclui exibições, conversas, oficinas, reuniões, recolhas e diversas actividades que incentivam o diálogo e a reflexão sobre a arte contemporânea. O festival Materiais Diversos já está no mapa internacional dos eventos de artes performativas.


Nuno Matos (in Riachense)